julho 23, 2007

Jornalismo puxa-saco

Eu cheguei a uma conclusão: alguns executivos que dão entrevista não tem a menor idéia do que seja jornalismo e de como ele é feito. Não passam de criancinhas mimadas ávidas por atenção e confete incondicional em cima de seus produtos e serviços. Querem aparecer a qualquer preço e, quando aparecem, mas não é EXATAMENTE como e quando queriam aparecer, abrem o berreiro e gritam “manheeeeeeeê” para os seus assessores de imprensa (eu sei bem porque já fui uma). Esses, ao invés de explicarem para o cliente que a reclamação é improcedente, passam a encher o saco do autor da matéria diariamente para que, de alguma forma que nem eles sabem explicar qual é, repare o terrível “erro” de ter feito uma matéria que não era ipsis literis aquilo que o executivo imaginou ou queria que fosse. Difícil de entender que isso aconteça? Então veja esse exemplo real:

Carolina,

Conforme conversamos, passo a você o posicionamento de Fulano de Tal, superintendente da empresa XYZ, que mostrou preocupação ao ver seus exemplos utilizados no Box X da matéria Y. Ele acredita que a contraponto feito entre o posicionamento e modelo de atuação da XYZ e o modelo de ação da XPTO. Frases como “grande rixa entre empresas que se denominam especializados em determinados serviços e aqueles que são considerados massificados”, e a utilização da expressão “provoca o executivo” após uma das frases do Fulano, utilizadas para contrapor os dois modos de atuação das companhias, gerou mal estar entre os executivos. Como a pauta passada ao executivo não fazia menção sobre um possível ‘choque’ de posições entre as companhias, ele defende que os exemplos que ele deu tinham como intenção apenas ilustrar as diferentes maneiras de atuação, e não questionar visões, como pode parecer no Box.

Assim, queria ver com você se há uma maneira de transmitir essa visão do executivo, sem que isso fira a credibilidade da publicação, reconhecidamente o principal veículo de comunicação do segmento.

Fico no aguardo.
Grande abraço e obrigado,

Assessor Sem Noção.

Peraí: então se a pauta passada ao executivo não fazia menção sobre um possível ‘choque’ de posições entre as companhias, é proibido fazer o choque de posições entre as companhias, sendo que as posições, por si só, se chocam? E agora toda vez que um repórter for passar uma pauta vai dizer: "olha, eu queria fazer uma matéria x e já aviso de antemão que poderá haver um possível choque de posições entre as companhias". Isso não existe, querido assessor. E acho melhor você informar o seu cliente disso, afinal, honey, esse é o seu papel. E enquanto seu cliente continuar não sabendo o que é jornalismo (e se isso acontece a culpa é sua) você vai continuar passando por esse tipo de situação constrangedora da qual eu, na boa, teria vergonha de me envolver.
Tá bom vai, a minha resposta não foi tão direta assim...vejam aí:

Querido Assessor,

Passei a sua posição ao meu editor, mas ele, assim como eu, não encontrou nenhum erro jornalístico na matéria. Sempre guardamos todas as entrevistas gravadas digitalmente exatamente para que não haja nenhum mal entendido com relação às declarações dadas pelos executivos.
Com relação à pauta passada por mim, realmente ela não fazia menção a um possível ‘choque’ de posições entre as companhias, como você disse, simplesmente porque eu ainda não havia feito as entrevistas e não tinha como prever que isso ía acontecer (a colocação de opiniões divergentes sobre o mercado). Você, como assessor de imprensa, deve saber que a pauta pode ser até certo ponto modificada ao longo da produção da matéria de acordo com as informações que o repórter consegue obter pelas entrevistas. Os dois executivos apresentaram opiniões conflitantes e qualquer repórter teria obrigação jornalística de contrapor as duas opiniões. Era esse o objetivo da matéria, fazer um panorama geral do mercado de cobrança por meio da opinião de alguns dos principais executivos da área, e foi o que foi feito. As opiniões do Fulano de Tal e do presidente da empresa concorrente se sobressaíram sobre outras, eles deram destaque para as mesmas questões, por isso foi feito um box com os dois. Entendo a sua colocação e a do Fulano de Tal e o meu editor está analisando a sua solicitação para ver o que pode ser feito, mas friso mais uma vez que não encontrei erro jornalístico na matéria. Quando eu disse que existe “grande rixa entre as empresas que se denominam especializados em determinados serviços e aqueles que são considerados massificados” eu estou falando sobre o mercado como um todo, e não especificamente das empresas citadas no box. E isso é baseado não só nessas entrevistas, mas em tudo que eu tenho ouvido e pesquisado sobre o assunto ao longo do tempo em que trabalho aqui na revista. Realmente é uma análise minha que pode ser questionada por vocês e por qualquer outro leitor que tenha outra opinião, mas ela é baseada em informações e declarações dadas pelo mercado. Quanto ao uso do verbo provocar, o Fulano de Tal disse, em outras palavras (você pode ver na matéria) que a empresa XYZ não tinha uma visão independente da unidade de serviços X e, “mesmo as (empresas) que possuem, não prestam serviço como nós prestamos”. Para mim a colocação do verbo está correta, no sentido de que ele desafia/garante que ninguém presta serviços como a XYZ. A revista cobre um mercado no qual a concorrência é acirrada e é normal que as empresas defendam seu próprio modelo de negócios em detrimento de outros existentes durante as entrevistas que nos concedem.
Sobre ele achar que os exemplos que deu tinham como intenção apenas ilustrar as diferentes maneiras de atuação, e não questionar visões, não acredito que na matéria pareça que ele esteja “questionando visões”, e sim analisando o mercado sob a sua própria visão, assim como os outros executivos também o fizeram.
Vocês e todos os outros entrevistados e leitores têm sempre o direito e toda a abertura e receptividade da redação da revista para questionar o enfoque, a maneira como a matéria foi escrita, as informações utilizadas, etc, para trazer críticas e sugestões construtivas e estaremos sempre abertos para ouvir e considerar essas opiniões, que são muito importantes para nós. Agradeço muito a participação de vocês nesse sentido e vamos procurar a melhor solução.

Assim que eu tiver uma posição do meu editor, falo novamente com você.

Obrigada,
Carolina

A novela continua.
Aguardem os próximos capítulos.

3 comentários:

Silvia Regina Angerami Rodrigues disse...

SEN-SA-CIO-NAL, Carol.
É desses retratos da realidade do jornalismo x assessoria de imprensa que é preciso falar, mesmo, escancarar a contradição que existe entre os dois tipos de "informação": a que é paga para ser divulgada (via assessoria de imprensa) e a que é produzida por quem precisa reportar a "verdade" (o jornalista). Essa discussão é muito interessante, foi sobre isso que tentei falar quando dei aquela palestra aos estudantes de Jornalismo. Mas não sei se todos têm essa clareza. Seria bom que tivessem.... Vou pôr um post lá no Efeito Pimenta sobre o seu texto, viu?? Parabéns!!! bjs

Milton T disse...

Carol, parabéns pelo texto.

abs

Unknown disse...

Adorei o seu retrato da realidade.
Temos de ser intolerantes om o desrespeito ao senso critico do cidadão, do leitor, do ouvinte e do intelectual. Não temos de ser coniventes com o puxaquismo o paraquedismo e todo o tipo de ismo existente no jornalismo , imprensa, radiofonico, televiso e pilantra a serviço da politicagem nojenta deste pais.